A data é um dia
qualquer no futuro próximo. O lugar, um Boeing 747 voando sobre o Atlântico em
direção a Londres. A maioria dos passageiros está dormindo ou fazendo qualquer
outra coisa. Subitamente, quase metade deles desaparece no ar. Primeiro um,
depois outro, então os que restam gritam enquanto percebem que o assento ao seu
lado está vazio. Apenas os pertences de mão foram deixados. Os passageiros que
ficaram gritam e choram, assustados. Os pais estão freneticamente procurando os
filhos que desapareceram no meio do vôo. Ficção científica? Não; essa é uma
cena do primeiro volume de uma série intitulada Lefts Behind “Deixados para
trás”.
(1) Escritos pelos
autores cristãos Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, esses livros têm permanecido no
topo da lista de best-sellers em Nova York. Eles estão baseados na teoria de
que sete anos antes do segundo advento de Cristo, os fiéis cristãos serão
trasladados, arrebatados para o Céu. Por que exatamente sete anos? Porque uma
das colunas dessa teoria é que a última das setenta semanas proféticas de
Daniel 9:24 ainda está no futuro. As raízes das origens da teoria do
arrebatamento secreto podem ser traçadas a partir do tempo da Contra-Reforma.
Os reformadores protestantes no século 16
identificaram o papado como o anticristo da profecia.
(2) Muitos eruditos
jesuítas assumiram a tarefa de defender o papado contra esse ataque. O cardeal
Robert Bellarmina (1542-1621), diretor do Colégio Jesuíta em Roma, buscou
invalidar o princípio “dia-ano” da profecia como prova dos 1.260 anos de
supremacia papal.(3)
O jesuíta espanhol
Francisco Ribera (1537-1591) projetou a profecia do anticristo no futuro
(futurismo), e outro espanhol, Luiz de Alcazar (1554-1613), defendeu que essas
profecias já tinham se cumprido no tempo do Império Romano (preterismo). O
preterismo de Alcazar logo foi adotado pelo calvinista Hugo Grotius (1583-1645)
na Holanda, e tornou-se o método favorito para interpretação da profecia
bíblica entre os teólogos liberais. Ribera aplicou as profecias do anticristo
ao futuro anticristo pessoal que apareceria no tempo do fim e continuaria no
poder por três anos e meio.(4) Por quase três séculos, o futurismo foi
largamente confinado à Igreja Católica Romana, até que, em 1826, Samuel R.
Maitland (1792-1866) bibliotecário do arcebispo de Canterbury, publicou um
panfleto de 72 páginas, (5) no qual promoveu a idéia de Ribera, de um futuro
anticristo. Logo outros clérigos protestantes adotaram a idéia e começaram a
propagá-la amplamente. Entre eles estava John Henry Newman, líder do movimento
Oxford, que depois tornou-se cardeal católico romano, e Edward Irving, famoso ministro
presbiteriano escocês.
O Dispensacionalismo.
O futurismo de Ribera
estabeleceu o fundamento para o dispensacionalismo, o qual ensina que Deus tem
negociado diferentemente com a humanidade durante diferentes eras da história
bíblica. John Nelson Darby (1800-1882) é usualmente considerado o “pai do
dispensacionalismo”. Ele foi um advogado e pastor anglicano que, em 1821, desiludido com a frouxidão espiritual da Igreja,
juntou-se a outro grupo religioso chamado Movimento dos Irmãos.
Darby possuía uma mente brilhante. Não
somente pregava fluentemente em francês e alemão, mas também traduziu o Novo
Testamento para o alemão, francês e inglês. Foi autor de mais de 50 livros e,
em 1848, tornou-se o líder do movimento. Darby desenvolveu uma elaborada
filosofia da História na qual ele a dividiu em oito eras ou dispensações, “cada
uma das quais contendo uma ordem diferente pela qual Deus operou Seu plano
redentivo”.
(6) Além disso, Darby
afirmava que a vinda de Cristo poderia ocorrer em dois estágios. O primeiro, um
invisível “arrebatamento secreto”
dos verdadeiros crentes fecharia o grande “parêntesis” (Rm. 11:25-32) ou a era
da Igreja que começou quando os judeus rejeitaram a Cristo. Em seguida ao
arrebatamento, as profecias do Antigo Testamento concernentes a Israel seriam
literalmente cumpridas, (7) levando à grande tribulação que terminaria na
segunda vinda de Cristo em glória. Nesse tempo, o Senhor estabeleceria um reino
literal de mil anos sobre a Terra, tendo Israel como centro. A visão
escatológica de Darby figurou proeminentemente no fundamentalismo americano nos
anos 20, quando cristãos conservadores defenderam o cristianismo protestante
contra os desafios do darwinismo e da teologia liberal. Hoje, a maioria dos
cristãos evangélicos aceita as principais colunas da escatologia de Darby.
O conceito de um
arrebatamento antes do período da tribulação final, na verdade, não foi
invenção de Darby. “Peter Jurieu em seu livro Approaching Deliverance of the
Church (1687) ensinou que Cristo poderia vir para arrebatar os santos e
retornar ao Céu antes do Armagedon. Ele falou de um arrebatamento secreto antes
da Sua vinda em glória e o julgamento do Armagedon. O Comentário do Novo
Testamento de Philip Doderidge e o Comentário, também sobre o Novo Testamento,
de John Gill, usaram o termo “rapto” e a ele se referiram como iminente. É
claro que esses homens criam que esse acontecimento precederia a descida de Cristo
à Terra e o tempo do julgamento. O propósito era preparar crentes do tempo do
julgamento.
(8) A doutrina do
arrebatamento foi disseminada ao redor do mundo, primariamente através do Movimento
dos Irmãos e da Bíblia de Referência de Scofield. No século 20, foi
ensinada em escolas como o Instituto Moody e no Seminário Teológico de Dallas.
O Futuro do Grande Planeta Terra, de Hal Lindsey, e muitos outros livros
propagaram a teoria do arrebatamento secreto. Investigando a teoria “A teoria do
arrebatamento secreto” está fundamentada em numerosas hipóteses.
Devido às limitações de espaço, podemos investigar brevemente apenas duas
delas:
1) que a septuagésima
das setenta semanas proféticas de Daniel 9:24-27 ainda está no futuro, e;
2) que a Igreja não
passará pela grande tribulação. A septuagésima semana de Daniel 9:27.
Embora a idéia de que
a septuagésima semana de Daniel esteja ainda no futuro tenha aparecido primeiro
nos escritos de Irineu (séc. 2 a.D.), (9) ela não desempenhou um papel
significativo na teologia cristã até tornar-se uma coluna fundamental do
dispensacionalismo no século 19. De acordo com essa visão, a 69ª semana termina
com a entrada triunfal; e a 70ª “está separada das outras 69 por um período
indefinido de tempo”.
(10) Por qual razão?
Porque a era da Igreja é vista como um parêntesis no plano de Deus, isto é, o
relógio profético parou no domingo da Páscoa e voltará a bater depois do
arrebatamento, quando Deus assumir a condução dos negócios com Israel no
futuro. Entretanto, não há razão lógica ou exegética para separar a 70ª semana
das outras 69 semanas. Não existe nenhuma outra profecia de tempo nas
Escrituras que tenha tal vácuo.
(11) O assunto nos
versos 26 e 27 de Daniel 9 é o
Messias, não o anticristo. De acordo com o verso padrão em Dan. 9:25 e
26, o príncipe da frase “o povo de um príncipe” se refere a Jesus (ver vs. 25).
(12) Mas embora “o príncipe”, no verso 26, se refira a Tito (tipologia do
anticristo) e não ao Messias, ele não é o assunto do verso 27 porque,
gramaticalmente, está em uma posição subordinada a “o povo”. É o povo que destrói o santuário e a
cidade; não o príncipe (Ver Ap. 11:2). O “ele” do verso 27 deve
reportar ao Messias no início do verso 26. Em Dan. 9:27, nós lemos que “Ele
fará firme aliança com muitos” a nova aliança no seu sangue. A expressão
hebraica “cortar uma aliança” não é usada nesse texto. No contexto do verso 24
está escrito: “Setenta semanas estão decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua
santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, e
para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a
profecia, e para ungir o santíssimo”. Então, são 70 semanas para “tel telestai”
consumar a profecia. Temos a partir de Daniel, as 7 semanas e 62 semanas até o
início da última páscoa, última semana de Daniel (70ª), a da crucificação de
Jesus em Jerusalém, onde na metade da semana Ele oferece o sacrifício para
expiar a iniqüidade, cumprindo justiça eterna e selando a visão e a profecia,
trazendo assim o cessar de ofertas e sacrifícios expiatórios do cerimonial da
lei. Na segunda metade da última semana Ele ressuscita completando as 70 semanas
do verso 24.
O Messias, diz o
texto, fortalecerá ou fará o concerto prevalecer. A referência não é a um novo
concerto, mas a um concerto já feito. Se fosse o anticristo o autor dessa
aliança com muitos, o profeta deveria ter usado a linguagem apropriada, ou
seja, “mudar a aliança”. Ao contrário da teoria dispensacionalista, a 70ª
semana apresenta os pontos altos do ministério do Salvador. Durante a primeira
metade da semana, Ele fortaleceu ou confirmou o concerto através de Seus
ensinamentos. Um exemplo disso é o sermão da Montanha, onde Jesus tomou uma
seleção dos Dez Mandamentos aprofundando e fortalecendo o seu significado.
Então, no meio da semana, Ele levou ao fim o significado teológico do papel dos
sacrifícios, ao entregar-Se para a salvação da raça humana. Dessa forma, o
concerto eterno foi confirmado e ratificado pela morte de Jesus Cristo.
A Igreja e a grande
tribulação
De acordo com o
dispensacionalismo, a tribulação depois do arrebatamento da Igreja durará sete
anos. Seu propósito é “levar à conversão uma multidão de judeus” (14) que
experimentarão o cumprimento da aliança de Israel. A base apresentada para
apoiar esse conceito são as passagens de I Tess. 1:10; 5:9; Rom. 5:9; Apoc.
3:10. Cuidadosa exegese dos textos nas cartas aos romanos e aos tessalonicenses
indica que “a ira vindoura” refere-se à ira de Deus que destruirá o ímpio por
ocasião da segunda vinda (15) conforme indicado em II Tess. 1:7-10. Trata-se,
portanto, da manifestação da ira de Deus no juízo final, não da tribulação
precedente à vinda de Jesus. Paulo fala de esperarmos “dos Céus o Seu Filho, a
quem Ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura”
(I Tess. 1:10).
É no segundo advento
de Jesus, em cuja ocasião o arrebatamento terá lugar, que nos liberta da ira
vindoura. Conseqüentemente, essa ira não pode vir antes do segundo advento. A
“hora da provação [peirasmos]” em Apoc. 3:10 poderia se referir à grande
tribulação, mas o texto não diz que o povo de Deus não a experimentará. A frase
“Eu te guardarei” origina-se de duas palavras gregas: téréo e ek. Téréo tem o
significado de “velar”, “guardar”, “preservar”; (16) e a preposição ek significa
basicamente “de”, (17) referindo-se à vinda de alguma coisa ou de alguém. Outra
preposição grega – apo – expressa a idéia de separação, “longe de”. (18) Em Sua
oração sacerdotal, Jesus diz: “Não peço que os tires do [ek] mundo, e sim que
os guardes [téréo] do [ek] mal” (João 17:15). Ao orar para que os discípulos
fossem guardados do mal, Jesus não estava dizendo que Satanás não poderia
tentá-los. Simplesmente pede que o Pai guarde os discípulos em segurança, vele
sobre eles, impeça que o inimigo tenha vitória sobre eles.
Semelhantemente, em
II Ped. 2:9, o apóstolo escreve: “É porque o Senhor sabe livrar da [ek]
provação [peirasmos] os piedosos....” O apóstolo não está dizendo que o povo de
Deus estará longe [apo] da tentação, mas que Ele os livrará dela [ek] em meio
ao processo de ser tentado. Da mesma forma, o apóstolo João em Apoc. 3:10 não
está dizendo que os crentes serão conservados longe da [apo] hora da provação,
mas que eles estarão protegidos durante esse tempo. Dessa maneira, nenhum dos
textos usados para apoiar a idéia de que a Igreja não passará pela grande
tribulação está realmente dizendo isso.
Na verdade, as
Escrituras ensinam claramente que os santos de Deus passarão pela grande
tribulação (Mat. 24:9; Mar. 13:11; Luc. 21:12-19; Apoc. 13:14-17).
(19) Tribulação e
livramento
A teoria do
arrebatamento secreto, de origem recente, tem capturado a imaginação de milhões
de cristãos sinceros. Seu ensinamento central – que o cumprimento da 70ª semana
profética de Daniel está ainda no futuro – é baseado em pressuposições
extrabíblicas. Semelhantemente, o ensinamento de que a Igreja não experimentará
a grande tribulação poupa os seres humanos do temor e do sofrimento, mas isto é
contrário ao que diz a Bíblia. De acordo com as Escrituras, a Igreja
passará pela grande tribulação, mas será liberta através do arrebatamento, por
ocasião da segunda vinda de Jesus.
Referências:
(1) Tyndale House Publishers, Wheaton ,
Illinois . Martinho Lutero, por
exemplo, disse: “Eu creio que o papa é o demônio mascarado e encarnado, porque
ele é o anticristo.” Sämtliche Schriften,
S. Louis: Concordia Pub. House, 1887, vol. 23, pág. 845.
(2) L. R. Conradi, The Impelling Force of prophetic Truth, Londres:
Thynne and B. Co., Ltd., 1935, pág. 346.
(3) Ibidem, vol. 2, págs. 489 a 493.
(4) An Enquiry Into the Grounds on Which the prophetic Period of Daniel
and St. John has been supposed to Consist of 1260 Years, 2ª ed., Londres, 1837,
pág. 2.
(5) Walter A. Elwell, Evangelical Dictionary of Theology, Grand Rapids : Baker Book House,
1984, pág. 292.
(6) Essa visão ignora completamente a
natureza condicional de muitas profecias do Antigo Testamento (Deut. 28:1 e 15;
Jer. 4:1; 18:7-10).
(7) Mal Couch (editor), Dictionary of Premillennial Theology: A
Practical Guide to the People, Viewpoints and History of Prophetic Studies,
Grand Rapids:
(8) Kregel Publications, 1996, pág. 346.
(9) Irineu, Against Heresies 5.25.3, vol. 1, pág. 554.
10.J. Dwight Pentecost, Things to Come, Grand Rapids: Zoondervan, 1958,
pág. 247.
11.Nenhuma das supostas profecias com vácuos,
enumeradas por Pentecost, são tempos proféticos. Todas elas estão baseadas na
idéia de que as profecias do Antigo Testamento concernentes a Israel deverão
ser cumpridas literalmente no futuro.
12. W. H. Shea, Daniel 7-12, Nampa ,
Idaho : Pacific Press Pub. Association, 1996,
págs. 75 e 76.
13. No pensamento dispensacionalista, a morte
de Cristo não ocorre dentro das 70 semanas. “A extinção do Messias tem lugar
apenas uns poucos dias após terminada a 69ª semana” (J. Dwight Pentecost, Op.
Cit., pág. 248), e cerca de dois mil anos antes do início da 70ª semana, algum
dia no futuro.
14. Ibidem, pág. 237.
15. John Stott, Romans, Downers
Grove , Ill. :
InterVarsity Press, 1994, pág. 146; Charles Wanamaker, Commentary on 1 & 2
Thessalonians, Grand Rapids ,
MI.: Wm. B. Eerdmans Pub., 1990, pág. 88.
16. W. F. Arndt, e F. W. Gingrich, “Téréo”, A Greek-English Lexicon, Chicago : University of Chicago Press, 1979.
17. Ibidem, “Ek”.
18. Ibidem, “Apo”.
19. Dizer que esses textos se referem ao
remanescente judeu e não à igreja (J. Pentecost, Op; Cit., págs. 278 e 238) é
argumentar com base na hipótese de que Deus cumprirá literalmente Suas
profecias relacionadas a Israel.
GERHARD PFANDL Ph.D., diretor associado do
Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral da IASD
Nenhum comentário:
Postar um comentário